quarta-feira, 14 de agosto de 2024

INSTANTÂNEOS - XXVI

 

A pergunta já foi colocada em vários albergues, aos respectivos hospitaleiros:

quais os peregrinos mais difíceis?

As informações recolhidas já permitem estabelecer um padrão estatístico e fixar uma resposta:

são os espanhóis.

A medalha é atribuída, registe-se, por unanimidade do júri constituído por todos os hospitaleiros consultados. Segundo eles, os seus compatriotas tendem a ser mais reivindicativos, mais contestatários, quase exigem ser tratados com privilégio. Se calhar porque se sentem “em casa”, falam a mesma língua, possuem os mesmos referenciais culturais.

A seguir, foram referenciados os franceses, por apresentarem, muitos deles, uma postura mais arrogante e sobranceira, resultante, sabe-se lá, de um qualquer complexo face aos espanhóis, com raízes históricas.

Os portugueses?

Esses são outra história, bem diferente: “casi todos son muy simpáticos. Como vosotros”.

Como nosotros!


sexta-feira, 9 de agosto de 2024

CAMINHO FRANCÊS (2) - DO CAMINHO

 


Projecto (em curso): Caminho Francês, Fase 2.
Início: Burgos
Término: León
Etapas: 8
Partida: 26 de maio de 2024
Chegada: 02 de junho de 2024
Distância total: 180 km
Acumulado Caminho Francês: 480 km
 
Aníbal Azevedo, Anselmo Cunha, Conceição Pires, Elsa Maia, Fernando Micaelo, Gena Cabaço, Jaime Matos, Joaquim Branco, Manuela Gomes, Nulita Lourenço, Paula Marques, Raul Maia, Teresa Silva.


1. Quatro notas de reportagem
2. Duas ou três notas sobre cultura e história
3. Do Caminho Francês (2)

Convenhamos, do ponto de vista paisagístico, este troço do Caminho Francês é capaz de ser um pouco menos interessante do que todos os outros que já percorremos (e já foram alguns). O planalto castelhano-leonês caracteriza-se por uma orografia pouco pronunciada, a ocupação do solo não é muito diversa, a floresta escasseia. O que o peregrino encontra na maior parte do percurso são campos ondulados a perder de vista, cobertos por um mosaico de searas com cereais vários: trigo, aveia, alfafa, ervilhaca, fenacho, colza, em diferentes estados fenológicos do seu desenvolvimento vegetativo. A cor dominante nesta altura do ano (maio) é o verde em diversas tonalidades. A densidade de plantas é elevada, como elevada deverá ser a sua produtividade. Tem de estranhar o peregrino luso beirão, todavia, não ver uma árvore de fruta, uma hortinha, uma couvinha que seja. Tão perto e tão diferente da paisagem a que estamos habituados.


A paisagem é, pois, bonita, sim, mas algo monótona, comparada com todas as outras que já tivemos oportunidade de apreciar. O nível de dificuldade, em consonância, também é baixo. Exceptua-se, porventura, a subida ao monte imediatamente a seguir a Castrojeriz, passado o rio Odra.


Mas o Caminho não é só paisagem. Também é tudo o resto, e neste resto imenso, está incluído o contacto com outros peregrinos.


Neste particular importa destacar alguns dos que connosco caminharam e confraternizaram, ainda que por breves minutos: o peregrino proveniente de Hong Kong, bem disposto e sempre sorridente como é apanágio, a (relativamente) pesada irlandesa que nos cantou “the fields of Athenry” - algo desafinada mas bem intencionada -, o luso catalão cheio de vontade de cumprir todo o caminho francês em menos de 30 dias, a jovem italiana inicialmente carrancuda e fechada mas que afinal só precisava de fumar um cigarro de enrolar especial para se libertar, a enfermeira italiana, o romeno, os americanos e, claro, os compatriotas lusos que também por lá rompiam sandálias.


O maior destaque, todavia, deve ir para o privilégio de termos conhecido uma sumidade da literatura mundial.


Foi no albergue de Castrojeriz que reparámos numa figura esguia embrenhada na leitura de um livro. Mais tarde havia de partilhar connosco o jantar e a visita às "catacumbas" no subterrâneo. A conversa fluiu, inevitavelmente, para a literatura e para ficarmos a saber que estávamos perante o escritor Brad Thomas Batten, canadiano. Desde os 18 anos que a sua vida é a escrita, tendo publicado o primeiro livro aos 20. Aficionado do Caminho de Santiago, já vai no décimo caminho francês desde 1989. Nessas viagens foi recolhendo informação e inspiração para um dos seus mais bem sucedidos livros: “Pilgrim – a novel”, (FriesenPress, 2022, ainda sem edição portuguesa disponível). No prelo, tem novas novelas com peregrinos como protagonistas. 


Nada custa, no próximo livro, o enredo inclui um grupo de portugueses bem dispostos, numa aventura qualquer nas galerias subterrâneas de Castrojeriz.












segunda-feira, 5 de agosto de 2024

INSTANTÂNEOS - XXV

 


Já nos tinha acontecido em 2020, Caminho da Costa, à entrada em Vila do Conde. Caminhavam os peregrinos tranquilos mas determinados, quando, abruptamente, uma viatura da GNR se nos atravessou. De lá saiu um agente de autoridade, alto, porte atlético, que se nos dirigiu com ar decidido. A instintiva primeira reacção de apreensão foi rapidamente desvanecida. Era apenas o nosso sargento Humberto a apresentar-se e a oferecer os seus préstimos (aqui).

Desta vez, foi em Villalcázer de Sirga (Palência) que esbarrámos com uma viatura da Guardia Civil estrategicamente posicionada perto da esplanada onde os peregrinos faziam a chamada paragem técnica. A sua nobre função, informaram os dois agentes, era a de assistência ao peregrino, em dedicação exclusiva, estando preparados até com carimbo.

Não há muitos registos, felizmente, de casos de insegurança no Caminho. Em geral, o peregrino sente-se seguro. Mas fica sempre mais confortável se sentir que as forças da segurança velam por si.

Vila do Conde, 20/07/2020

Villalcázer de Sirga, 29/05/2024