“Da nossa casa a Santiago de Compostela”,
Caminhantes: Anselmo, Benvinda Monteiro, Carlos Matos, Fernando Gaspar, Fernando Micaelo, Guida Mendes, Jaime Matos, Joaquim Branco, Luisa, Paula Marques, São Branco, Zé Manel Machado. No apoio, Piedade e João.
Etapa XII: Loivos do Monte - Amarante
16 de Novembro de 2013, sábado
Caminhantes: Anselmo, Benvinda Monteiro, Carlos Matos, Fernando Gaspar, Fernando Micaelo, Guida Mendes, Jaime Matos, Joaquim Branco, Luisa, Paula Marques, São Branco, Zé Manel Machado. No apoio, Piedade e João.
Sinopse:
Inicio em (perto
de) Loivos do Monte: 08:30 horas
Distância
percorrida: 17 km
Tempo total de
caminhada: 05:20 horas
Tempo a andar: 04:22
horas
Tempo parado: 58 minutos
Velocidade média: 4,2
km/h
Da cota de 740
metros para 68 metros
Altitude máxima: 755
metros
Subida acumulada: 154 metros
Descida acumulada:
808 metros
Povoados e locais
de referência ao longo do percurso: Noveleiras, Rechãozinho, Reboreda,
Bailadoiro, Gualta, Vinhateiro, Matias, Corujeira, Amarante.
Acumulado:
Caminho: 304,2 Km
Bacias
hidrográficas: Tejo, Zêzere, Mondego, Távora, Varosa, Douro, Tâmega.
Distritos:
Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real, Porto.
Concelhos:
Castelo Branco, Fundão, Covilhã, Belmonte, Manteigas, Guarda, Celorico da Beira,
Trancoso, Aguiar da Beira, Sernancelhe, Moimenta da Beira, Tarouca, Lamego, Peso
da Régua, Mesão Frio, Baião, Amarante.
Fonte:
GPS de Joaquim Branco
(ver
track aqui)
Mal que batiam as 04:30 reuniu a fadistagem na rotunda
da Mina. Viagem bem disposta, atendendo à hora, A23 acima até à Guarda, inflexão
para oeste na A25 até Viseu, novamente para norte na A24 até ao Peso da Régua,
N108 até Mesão Frio, N101 até ao cruzamento para Loivos do Monte/Baião. A
estratégia de transporte e apoio implicou, comme
d’habitude, um compasso de espera, pelos companheiros que foram parquear as
viaturas a Amarante. Estava frio, bastante frio. Foi preciso aquecer a alma com
uma jeropiga.
Início junto ao cruzamento para Baião às 08:30 com
entrada imediata numa artéria peculiar, a começar pelo nome: Marquês de Pombal.
Não, não era rectilínea e larga, acompanhava rudemente a N101, rodeando os
acidentes orográficos que eram bastantes e pronunciados, característica, aliás,
de toda a região (estamos a norte do Douro, numa região meio minhota meio
transmontana, certo?); depois, a dita “rua” estende-se por cerca de mil vezes
3,5 metros, ao longo dos quais, tocam-na não mais do que uma dúzia de casas.
Mas o que a torna única, mesmo única a sério, são as inúmeras pequenas cascatas
de água que brotam por entre os penhascos de castanheiros, compondo a banda
sonora da caminhada ao longo deste troço.
Quase sem nos darmos conta, fomos atravessando as
“localidades” de Outeiro, Noveleiras, Rechãozinho, Almas, Reboreda, Vinhateiro,
Bailadoiro, Cabana, Corujeiras, Gualta, Matias (não necessariamente por esta
ordem). Pelas 6 horas perseguia-nos a serra da Abobereira, pelas 3 vigiava-nos
o Marão. Passava das 10 quando, numa comprida mesa da esplanada do café
simpático da localidade de Cavalinho, foi estendido o farnel e cada um
alambazou-se com o que quis, desde que quisesse: pão, borrachões e bolacha do
deserto (de Aldeia do Bispo), enchidos vários, paté de atum e delícias do mar,
queijo fresco, queijo de mistura, azeitonas carrasquenhas retalhadas, azeitonas
cordovil marteladas e aromatizadas com orégãos e alho, frango frito, febras aux vin, pezinhos de coentrada, moelas,
bacalhau aux punheta, rissóis, feijão
frade, papas de carolo, empadas de galinha, tinto do Micaelo, verde branco do
Zé Manel, verde tinto da tasquinha servido em malga branca. Mesa farta e
variada, pois.
Petiscou-se devagar, com vagar. Já mais compostinhos,
prosseguiu-se. O vagar está associado à “slow food” (que nos seja perdoado o
anglicismo), mas também ao acto em si de conhecer o país enquanto se caminha…
com vagar. Forçando a analogia, sabe-nos melhor, faz-nos melhor, o “slow
knowledge” (em português equivalerá a apropriação lenta de saber, suave,
preciosista), facilitado pelo caminhar com tempo para permitir que o olhar se
detenha nos pormenores, imperceptíveis de outra forma. Ao longo do caminho, temos
confirmado a tese: a diversidade deste país é uma das suas maiores riquezas,
nos usos e nos costumes, no sotaque, na gastronomia, na cultura em geral, na
orografia, na flora, na paisagem; na marcação e apropriação do território
também, como foi confirmado nas imediações de Amarante, e que nos tornou a
mostrar o peculiar conceito de rua destas paragens. Já havíamos conhecido a rua
Marquês de Pombal, as suas cascatas e as suas 10 casas em 5 quilómetros; agora
caminhamos pela rua Souto Chão que ao longo de mais de 1000 metros às vezes em
terra, outras vezes calcetada, serve 2 edifícios decrépitos consideravelmente
distanciados, até à rua do Bandoleiro, agora já em alcatrão, subitamente
continuada pela rua do Pedregal em calçada, com delimitação bem marcada no
chão. Perguntámos a uma autóctone e eis a explicação: cada rua pertence a sua
localidade. As autoridades administrativas de Jazente entenderam diferente das
autoridades administrativas de Pedronelo, pelo que, do portão da vivenda
Belinha para cima, Jazente mandou colocar alcatrão, daí para baixo mandou Pedronelo
colocar calçada. E assim se evidenciou quem manda aonde.
Pedronelo orgulha-se da fama que tem o pão que aí é
fabricado. Na padaria, após alguma insistência no chamamento, a padeira assoma
a uma janela:
Inteirando-se da nossa condição, e antes de saber a
encomenda, a simpática pedronalense logo fez questão de oferecer 3 pãezinhos de
quartos, atitude que os caminheiros acharam muito correcta, comprando-lhe 3
casqueiros dos grandes, em compensação.
A entrada em Amarante é feita, obviamente, pela ponte
de S. Gonçalo. Reza a história que foi o próprio que tratou de reconstruir a
velha ponte romana que constituía (e constitui) uma importante via de ligação
entre o sul e o norte, em direcção a Guimarães, Braga e, naturalmente,
Compostela. Embalado, terá mandado também erigir, junto à ponte, a ermida que
haveria de ser transformada em Igreja com o seu nome. Pese embora Frei Gonçalo
nunca tenha sido reconhecido como santo pela Santa Igreja Católica Apostólica
Romana, mas “apenas” como Beato, a verdade é que o povo, seguramente em
consideração ao seu fervor (e dinâmica edificadora), tratou de o canonizar como
tal, envolvendo-o em lendas e histórias que lhe atribuem feitos ímpares com as
raparigas e não só. A cultura popular mais brejeira e brincalhona valia-se da
capa protectora de S. Gonçalo para atacar preconceitos e tabus em tempos de
repressão, única forma de contextualizar quadras como esta:
S. Gonçalo de Amarante
Casai-me que bem podeis
Já tenho teias de aranha
Naquilo que vós sabeis.
Havia feira de antiguidades no adro. Ainda antes do
lauto almoço nas imediações do rio (o cardápio era o mesmo do pequeno almoço),
os peregrinos fizeram questão de ir tocar o túmulo do santo padroeiro e, saudar
o colega Santiago na capelinha lateral da Igreja.
Amarante é terra natal de ilustres figuras da
literatura e das artes portuguesas. Amarantinos são Amadeu de Souza-Cardozo,
Agustina Bessa Luís e Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos que preferiu
ficar conhecido como Teixeira de Pascoaes. Das pesquisas efectuadas – pois, o
Caminho, essa via de conhecer mais e mais devagar o país, inclui passear pelas
referências locais, consolidámos a nossa simpatia pelo Pascoaes arauto do
bucolismo da ruralidade, pré-ecologista, mas já não tanto pelo Pascoaes perdido
nas teias do saudosismo, com as conotações imobilistas e excessivamente
nostálgicas que ele parece ter querido dar ao conceito de saudade. Gostariamos,
mas não o conseguimos, de ter ficado definitivamente esclarecidos sobre a
disputa intelectual que ele travou com António Sérgio relativamente à exclusividade
da saudade portuguesa, ideia que corre e vingou no imaginário apologético
nacionalista. Dever-se-á, muito provavelmente ao contributo de Pascoaes, essa ideia que nos
levaram a interiorizar de que o sentimento associado à saudade é excepcional
nos portugueses e que mais nenhuma língua no mundo traduz com a mesma força tal
sentimento. Sérgio terá chegado a ser indelicado com o amarantino desmontando
essa genuidade e exclusividade, argumentando que a palavra existe com o mesmo
significado em várias línguas, até em islandês, onde assume a forma de saknaor. Não sabia António Sérgio, não
podia saber, que os islandeses quase um século depois haviam de cortar radical
e definitivamente com um certo saknaorismo
que os governava. Adiante.
O final de tarde e noite foi gasto pelos peregrinos
entre tabernas, socializando com os autóctones disponíveis. Esta opção implicou
um custo de oportunidade: escasseou o tempo para visitar o excelente museu
Amadeu de Souza-Cardoso. Primeiro, foi a taberna do Rodrigo, pequeno e acolhedor
entreposto de venda de variadíssimos enchidos e presuntos regionais, cujas paredes
e mesas estavam forradas com papéis avulsos nos quais os clientes deixam
mensagens, poemas e outros dizeres. Depois, foram os peregrinos buscar o
reforço alimentar da noite na Taberna das Comadres, ali a dois passos do Tâmega, rebuscado com sopinha de
feijão, couve esfarripada e batata ralada com garfo, ameijoa à moda das
comadres, tripas à moda das comadres, “verde” (bifinhos de porco longamente alagados em
vinha d’alho e pimenta e depois fritos em azeite), pastéis de bacalhau
enrolados pelas comadres, pastelão (espécie de omolete), verde (vinho) branco e
tinto a gosto (alguém contou meia dúzia de garrafas despejadas).
O anfitrião, homem afável, conversador, visual de
baterista de banda de rock pesado com rabinho de cavalo e tudo, tratou-nos bem
e terá gostado da nossa companhia. Se calhar por isso é que quando se lhe pediu
um chá para “compor” o organismo, ele perguntou:
- É para compor? Então vão beber um chá especial,
ofereço eu.
A cor era parecida com o chá de tília e carqueja
misturados; os ingredientes é que derivavam para aguardente caseira envelhecida
e embebendo uma cereja de Resende.
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