Projecto (em curso): Caminho Francês, Fase 2.
Início: Burgos
Término: León
Etapas: 8
Partida: 26 de maio de 2024
Chegada: 02 de junho de 2024
Distância total: 180 km
Acumulado Caminho Francês: 480 km
Aníbal Azevedo, Anselmo Cunha, Conceição Pires, Elsa Maia, Fernando Micaelo, Gena Cabaço, Jaime Matos, Joaquim Branco, Manuela Gomes, Nulita Lourenço, Paula Marques, Raul Maia, Teresa Silva.
1. Desde a "noche" até à procissão
Estes
humildemente audazes caminheiros têm razões para se sentirem afortunados, reconhece-se, quando,
por absoluta coincidência, são apanhados no meio das festas/manifestações
culturais locais, precisamente quando estão a passar ou a pernoitar.
Foi assim lá atrás, em Trancoso, Moimenta, Guimarães, Santiago (histórias antigas no blogue).
Assim foi no ano passado, em Pamplona e em Viana (aqui).
Foi assim, este ano, à entrada e à chegada nesta segunda jornada do projecto Caminho Francês.
À
entrada, em Burgos, apanhámos com a “noche blanca” no único dia em que ela se
realizou - chamemos-lhe manifestação cultural, só para facilitar (aqui).
À semelhança da
primeira fase do projecto Caminho Francês, nas regiões de Navarra, La Rioja e de Castela
até Burgos, também nas províncias de Palência e León o património histórico e
cultural é riquíssimo.
É
logo na segunda etapa que o Caminho impõe ao peregrino o Convento de San Antón,
a escassos 2 km de Castrojeriz. Foi o mesmo instalado pela ordem homónima, ou também, Orden de
los Hermanos Hospitalários de San António e tinha como principal propósito
acolher e ajudar os peregrinos a caminho de Santiago. A sua origem remonta 1095, logo, nada a ver com o “nosso” Santo António. A partir das suas
ruínas ainda é fácil a percepção da sua monumentalidade e da importância que
deverá ter tido, no seu auge.
A paragem seguinte, Frómista,
uma pequena localidade de menos de 900 habitantes, apresenta 3 igrejas
monumentais, entre as quais San Martin, séc. XI, expoente do românico espanhol,
3 naves, colunas com iconografia rica e abundante.
Sahagún, justifica a
referência por 2 motivos, para além do seu rico acervo patrimonial: O primeiro
é que marca o meio do Caminho Francês. O peregrino que saiu de St Jean Pied de
Port fica a saber que, aqui chegado, terá de calcorrear outros tantos quilómetros
para chegar ao Obradoiro. O segundo aspecto a relevar é que Sahagún desempenhou
importância maior no reino de Leão, sobretudo no reinado de Afonso VI, pai de
D. Teresa, avô do nosso Afonso Henriques. É no mosteiro de Sahagún, aliás, que ele jaz
sepultado, assim como as suas duas mulheres (oficiais).
À
chegada, em León, foi-nos oferecido o privilégio de acompanhar a procissão de
Corpus Christi quando percorria a rua que desembocava na grande praça em frente
à majestosa catedral. Manifestamente sortudos, convergimos com a procissão na
hora precisa. Chegássemos nós meia hora antes ou meia hora depois e, teríamos
falhado o evento.
O cenário que se nos deparou é digno de registo e referência. Uma
imensidão de gente postava-se ao longo da artéria, mirando o cortejo composto
pelas mais diversas figuras – homens, mulheres, crianças - rica e diversamente
trajadas com indumentária medieval e religiosa. A banda filarmónica – excelente som - incluía dezenas de
músicos e instrumentos muito variados.
Um
dos elementos mais marcantes da procissão eram os enormes andores – em número
não contabilizado -, cada um deles suportados por vinte e quatro leoneses que
se movimentavam sincronizados, denotando algum treino de ordem unida. O cortejo
evoluía lentamente, sob a batuta de um grupo de mordomos, claramente
experimentados no ritual. A cerimónia terminou com todos os participantes –
muitas centenas – disciplinada e organizadamente alinhados em frente à porta
principal da catedral, que terão dispersado após o hino de Espanha.
2. Rivalidades provincianas
Uma
segunda nota para fazer referência a um facto menos relevante do ponto de vista
cultural, mas com alguns pontos de contacto com a história desta região de
Castilla y León.
São
bastas as placas azuis que ostentam a indicação que o Caminho está a cruzar a
região autonómica de Castilla y León.O que chamou a atenção foi o facto de em
muitas delas, um dos nomes estar riscado: León no território da província de
Burgos, Castilla no território da província de León, mais frequente no segundo
caso.
Contudo, a partir dessa unificação, ambas as regiões partilham um percurso comum, decisivo mesmo para a unificação da própria Espanha e para a sua actual configuração.
Resulta algo surpreendente, pois, que num quadro histórico e cultural cimentado em tantos séculos de percurso comum, ainda haja alguém com um espírito identitário regional forte o bastante para se dar ao trabalho de andar a riscar um dos nomes nas placas. A curta investigação feita não traz nenhum elemento válido explicativo de tal fenómeno, a não ser a de que haverá um movimento de leoneses que alimentarão a ideia de uma separação administrativa – e deverá ser apenas administrativa – de Castela, presumivelmente, por referência ao reino de Leão medieval, incluindo as províncias de Zamora e Salamanca.
3. Oportunismos
A terceira nota vai para denunciar esse quase generalizado fenómeno de cobrança de entrada nas catedrais, igrejas e noutros edifícios de relevante interesse patrimonial, cultural e histórico. O Caminho, está anunciado, apresenta uma riqueza ímpar nessas dimensões. É deveras agradável ter a oportunidade de apreciar a monumentalidade dos edifícios e a diversidade artística, iconográfica e histórica do interior de todas eles, bastas vezes em povoados de pequena dimensão. Haveria muito que aprender, com tempo, e, sobretudo, com cicerone que apontasse e realçasse os pormenores.
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