quinta-feira, 25 de julho de 2024

CAMINHO FRANCÊS (2) - DUAS OU TRÊS NOTAS SOBRE CULTURA E HISTÓRIA

 


Projecto (em curso): Caminho Francês, Fase 2.
Início: Burgos
Término: León
Etapas: 8
Partida: 26 de maio de 2024
Chegada: 02 de junho de 2024
Distância total: 180 km
Acumulado Caminho Francês: 480 km
 
Aníbal Azevedo, Anselmo Cunha, Conceição Pires, Elsa Maia, Fernando Micaelo, Gena Cabaço, Jaime Matos, Joaquim Branco, Manuela Gomes, Nulita Lourenço, Paula Marques, Raul Maia, Teresa Silva.


1. Quatro notas de reportagem
2. Duas ou três notas sobre cultura e história
3. Do Caminho Francês (2)

1. Desde a "noche" até à procissão

Estes humildemente audazes caminheiros têm razões para se sentirem afortunados, reconhece-se, quando, por absoluta coincidência, são apanhados no meio das festas/manifestações culturais locais, precisamente quando estão a passar ou a pernoitar.

Foi assim lá atrás, em Trancoso, Moimenta, Guimarães, Santiago (histórias antigas no blogue).

Assim foi no ano passado, em Pamplona e em Viana (aqui).

Foi assim, este ano, à entrada e à chegada nesta segunda jornada do projecto Caminho Francês.

À entrada, em Burgos, apanhámos com a “noche blanca” no único dia em que ela se realizou - chamemos-lhe manifestação cultural, só para facilitar (aqui).

À semelhança da primeira fase do projecto Caminho Francês, nas regiões de Navarra, La Rioja e de Castela até Burgos, também nas províncias de Palência e León o património histórico e cultural é riquíssimo.

É logo na segunda etapa que o Caminho impõe ao peregrino o Convento de San Antón, a escassos 2 km de Castrojeriz. Foi o mesmo instalado pela ordem homónima, ou também, Orden de los Hermanos Hospitalários de San António e tinha como principal propósito acolher e ajudar os peregrinos a caminho de Santiago. A sua origem remonta 1095, logo, nada a ver com o “nosso” Santo António. A partir das suas ruínas ainda é fácil a percepção da sua monumentalidade e da importância que deverá ter tido, no seu auge.

A paragem seguinte, Frómista, uma pequena localidade de menos de 900 habitantes, apresenta 3 igrejas monumentais, entre as quais San Martin, séc. XI, expoente do românico espanhol, 3 naves, colunas com iconografia rica e abundante.

Sahagún, justifica a referência por 2 motivos, para além do seu rico acervo patrimonial: O primeiro é que marca o meio do Caminho Francês. O peregrino que saiu de St Jean Pied de Port fica a saber que, aqui chegado, terá de calcorrear outros tantos quilómetros para chegar ao Obradoiro. O segundo aspecto a relevar é que Sahagún desempenhou importância maior no reino de Leão, sobretudo no reinado de Afonso VI, pai de D. Teresa, avô do nosso Afonso Henriques. É no mosteiro de Sahagún, aliás, que ele jaz sepultado, assim como as suas duas mulheres (oficiais).

À chegada, em León, foi-nos oferecido o privilégio de acompanhar a procissão de Corpus Christi quando percorria a rua que desembocava na grande praça em frente à majestosa catedral. Manifestamente sortudos, convergimos com a procissão na hora precisa. Chegássemos nós meia hora antes ou meia hora depois e, teríamos falhado o evento.

O cenário que se nos deparou é digno de registo e referência. Uma imensidão de gente postava-se ao longo da artéria, mirando o cortejo composto pelas mais diversas figuras – homens, mulheres, crianças - rica e diversamente trajadas com indumentária medieval e religiosa. A banda filarmónica – excelente som - incluía dezenas de músicos e instrumentos muito variados.

Um dos elementos mais marcantes da procissão eram os enormes andores – em número não contabilizado -, cada um deles suportados por vinte e quatro leoneses que se movimentavam sincronizados, denotando algum treino de ordem unida. O cortejo evoluía lentamente, sob a batuta de um grupo de mordomos, claramente experimentados no ritual. A cerimónia terminou com todos os participantes – muitas centenas – disciplinada e organizadamente alinhados em frente à porta principal da catedral, que terão dispersado após o hino de Espanha.


2. Rivalidades provincianas

Uma segunda nota para fazer referência a um facto menos relevante do ponto de vista cultural, mas com alguns pontos de contacto com a história desta região de Castilla y León.

São bastas as placas azuis que ostentam a indicação que o Caminho está a cruzar a região autonómica de Castilla y León.O que chamou a atenção foi o facto de em muitas delas, um dos nomes estar riscado: León no território da província de Burgos, Castilla no território da província de León, mais frequente no segundo caso.


Os livros de história dão conta das contantes disputas territoriais e dinásticas entre suseranos dos reinos da Ibéria, na maior parte dos casos envolvendo familiares directos. Os primeiros séculos do primeiro milénio foram particularmente ricos em golpes palacianos. Alguns, contribuíram para a fundação de Portugal que, como é sabido, também contou com uma contenda entre mãe (Teresa) e filho (Afonso Henriques). No caso dos reinos de Castela, Leão (e Galiza), a unificação em 1230 só foi conseguida depois de muitas batalhas entre irmãos e primos.

Contudo, a partir dessa unificação, ambas as regiões partilham um percurso comum, decisivo mesmo para a unificação da própria Espanha e para a sua actual configuração.

Resulta algo surpreendente, pois, que num quadro histórico e cultural cimentado em tantos séculos de percurso comum, ainda haja alguém com um espírito identitário regional forte o bastante para se dar ao trabalho de andar a riscar um dos nomes nas placas. A curta investigação feita não traz nenhum elemento válido explicativo de tal fenómeno, a não ser a de que haverá um movimento de leoneses que alimentarão a ideia de uma separação administrativa – e deverá ser apenas administrativa – de Castela, presumivelmente, por referência ao reino de Leão medieval, incluindo as províncias de Zamora e Salamanca.


3. Oportunismos

A terceira nota vai para denunciar esse quase generalizado fenómeno de cobrança de entrada nas catedrais, igrejas e noutros edifícios de relevante interesse patrimonial, cultural e histórico. O Caminho, está anunciado, apresenta uma riqueza ímpar nessas dimensões. É deveras agradável ter a oportunidade de apreciar a monumentalidade dos edifícios e a diversidade artística, iconográfica e histórica do interior de todas eles, bastas vezes em povoados de pequena dimensão. Haveria muito que aprender, com tempo, e, sobretudo, com cicerone que apontasse e realçasse os pormenores. 

O que não impressiona sobremaneira é esse novo – crê-se – hábito de cobrar entrada aos peregrinos em tudo o que é património. Nada a opor se a contribuição pedida ao peregrino tivesse como contrapartida alguma mais valia para ele, informação, por exemplo. Todavia, sem outro retorno para além da abertura da passagem, deixados por sua conta e risco no meio de tanta arte, sem qualquer ajuda ou orientação para os significados de cenários tão majestosos, ficam eles com uma desagradável sensação de espoliação oportunística.


Convento de San Antón - Castrojeriz

Convento de San Antón - Castrojeriz

Frómista (canal de Castilla)

Sahagún - Centro do Caminho

Sahagún

León - Procissão Corpus Christi

León - Procissão Corpus Christi

León - Procissão Corpus Christi


León - Catedral

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