Diário de Caminhada - ETAPA XVI:
Braga - Goães
“Da nossa
casa a Santiago de Compostela”,
Etapa
XVI: Braga - Goães
25 de
Janeiro de 2014, sábado
Caminhantes:
Anselmo, Benvinda Monteiro, Carlos Matos, Elsa Maia, Fernando Gaspar, Fernando
Micaelo, Guida Mendes, Jaime Matos, Joaquim Branco, Paula Marques,
Piedade, Raul Maia, São Branco, Zé Manel Machado.
Sinopse:
Inicio em
Braga (Sé): 07:28 horas
Chegada a
Goães (albergue): 13:38 horas
Distância
percorrida: 19,5 km
Tempo
total de caminhada: 06:10 horas
Tempo
parado: 01:31 horas
Velocidade
média: 4,5 Km/h
Povoados
e locais de referência ao longo do percurso: Braga, Praceta de Santiago, Vila
de Prado; Moure, Torre de Penegate, Portela das Cabras, Goães.
Acumulado:
Caminho: 384,7 Km
Bacias hidrográficas: Tejo, Zêzere, Mondego, Távora, Varosa,
Douro, Tâmega, Vizela/Ave, Cávado, Neiva.
Distritos: Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real, Porto, Braga.
Concelhos: Castelo Branco, Fundão, Covilhã, Belmonte, Manteigas,
Guarda, Celorico da Beira, Trancoso, Aguiar da Beira, Sernancelhe, Moimenta da
Beira, Tarouca, Lamego, Peso da Régua, Mesão Frio, Baião, Amarante, Felgueiras,
Fafe, Guimarães, Braga, Vila Verde.
Fonte: GPS de Joaquim Branco
(ver track aqui)
A nova estratégia de se alugar mini autocarro para o transporte,
testada nas etapas anteriores, foi avaliada muito favoravelmente, pelo que se manteve:
viagem desde Castelo Branco até Braga em 4 horas (incluindo paragens técnicas),
sem percalços. Foto da praxe junto à Sé de Braga e tentativa frustrada de obter
carimbo. Faltavam 5 minutos para bater a meia das 7, surgiu de dentro do milenar monumento um funcionário carregado de 2 corgalhos de chaves com as quais ia
abrindo portas e portões. Instado ao registo do correspondente carimbo na nossa
preciosa caderneta, recusou liminarmente, a raiar os maus modos, nada
consentâneos com as suas funções, com a desculpa de que tinha de preparar o
altar para a missa das oito menos um quarto. Um dia, há-de prestar contas a
Santiago do seu mau humor para com estes peregrinos madrugadores e o santo
certamente lhe atribuirá uma avaliação menos boa, acompanhada de várias recomendações
que incluem a de que os altares para as missas das oito menos um quarto devem
ficar minimamente preparados de véspera. Foi necessário recorrer ao licor de
maçã-canela do Micaelo para recuperar o ânimo.
Primeiros passos a partir da Sé de Braga, às 07:30, seguindo as
setas amarelas que começaram a surgir acompanhadas pelas placas de madeira indicativas
da Via XIX, velhíssima estrada romana
que ligava Braga a Astorga, através da Galiza. Ainda dentro da cidade dos arcebispos,
saudação a Santiago na sua praceta, prosseguindo-se em malha urbana em direcção
ao rio Cávado, nesta altura a exibir-se caudaloso. A travessia faz-se através
duma imponente ponte filipina que terá sido construída sobre uma outra medieval
e esta sobre a primitiva romana. Do outro lado, num pequeno jardim de Vila do
Prado, e porque já eram horas, pequeno almoço.
Cardápio (igual para todas as refeições): ovos verdes, ovos com
farinheira, pastéis de carne, trança de carne, rissóis de peixe, pastéis de
bacalhau, febras palitadas e picles, paté de fiambre de perú, frango frito,
panceta (toucinho espanhol), vigaristas, salada de polvo, lombo de porco assado
(simples, com molho doce e fingido), bucho de morcela, chouriço, farinheira
frita, feijões vermelhos salteados com cebola, empadas de galinha, bolacha do
deserto, pão de várias qualidades e consistências, vinhos de várias cores,
travos e proveniências, queijos de vários sabores e texturas, azeitonas de
vária tonalidades e acidezes, bolos de vários sabores e paladares, fruta da
época e de fora da época.
O caminho prossegue subjugado ao característico povoamento
disperso do Minho por entre ruas e casas. Em Moure, paragem para verde (branco e
tinto) em malguinha branca. Nesta povoação, nota especial para o enorme
eucalipto seco que se mantém de pé, e que precisou de 10 peregrinos para ser abraçado.
O caminho vai agora
em modo predominante de subida através de Portela das Cabras até à cota máxima
que separa as bacias do Cávado e do Neiva, com passagem pela torre de Penegate,
construída em 1132 sob o magestoso auspício do nosso rei Lavrador e marido da
Santa – são rosas, senhor – Isabel.
Daí, foi um saltinho
até Goães onde a escola primária foi transformada em albergue. O sítio é
agradável, simpática e prestável a senhora minhota que nos entregou as chaves,
nos mostrou como utilizar a cozinha e nos facilitou o acesso à lenha para as
salamandras. Mas, depois, começaram as peripécias. Contam-se, de um rasgo.
Primeiro, o cilindro para
águas quentes só permitia um duche a cada quarto de hora e apenas durante 2
minutos; depois, o esquentador negava-se a aquecer a água para a loiça: chamado
o picheleiro, rapaz novo que não largou o sorriso enquanto tentava o concerto
do dispositivo, muito à conta dos temas e abordagens que se desenvolviam nas
suas costas, ficámos, constatámos já depois da sua abalada, na mesma. O
problema maior, todavia, residia numa das salamandras que insistia em devolver
o fumo à sala em vez de o expelir para o exterior. Após vários testes
concluiu-se que o tubo de evacuação – com cerca de 4 metros de altura, dois dos
quais acima do telhado, estava obstruído. O sentido de desenrascanço e
improvisação de que se arvoram os portugueses foi então posto à prova. A
primeira solução passou por um pau introduzido pelo tubo acima na tentativa de
extrair o material bloqueador; evoluiu-se para o pau de uma vassoura;
conseguiu-se apenas perceber que se tratava de palhiço seco, supostamente usado
pelos passarinhos na construção dos ninhos; um peregrino engenheiro sugeriu que
se utilizasse uma mangueira de rega, primeiro, simples, mas depois sucessivamente sofisticada com acrescentos do primitivo pau enfiado numa das pontas,
substituído pela vassoura e ainda por um arame que se pediu ao vizinho da
frente. As engenhocas resultaram em meio saco de plástico de restos de ninhos.
Malogradamente, o tubo continuava a não facilitar a evacuação do fumo. Reunido
o conselho científico dos peregrinos engenheiros, foi conseguido consenso
quanto à solução final: proceder à extração do lixo a partir de cima. Foi o
vizinho novamente chamado a cooperar com uma escada de alumínio. Munido de 5
metros de arame das vinhas e de uma turquesa, Xquim Branco avançou, qual
soldado mais corajoso do pelotão. Vários ensaios após, de que resultou um saco
de plástico cheio, o nosso operacional acabou por decidir retirar a campânula
que encimava o tubo e, assim sim, o comprido cilindro expeliu mais um saco de
palhiço. Foram duas horas de engenharias, mas o facto é que a salamandra ficou
a deitar um calor que muito regalou e confortou os peregrinos durante a noite.
Como tudo na vida, esta
bem sucedida operação teve um custo: dois feridos, um ligeiro e um grave: o
nosso Xquim Branco que se feriu num dedo, e o nosso Carlos Matos que, no
exercício das suas funções de repórter e sketcher,
foi protagonista de uma aparatosa escorregadela que o fez embater
estrondosamente com o tronco no soalho da sala, da qual, viria a radiografia a
revelar 2 dias depois, resultou em 3 costelas machucadas. Não pode deixar de se
enaltecer o seu espírito de peregrino que se impôs a tal minudência, tendo
prosseguido bravamente para a etapa do dia seguinte entre Goães e Ponte de
Lima. Naturalmente, também ajudaram os conselhos e pílulas prontamente
disponibilizados pelos nossos companheiros peregrinos enfermeiros.
Amanhã, receber-nos-á a mais antiga vila portuguesa.
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