Se existe coisa banal na actividade peregrina é o aparecimento de bolhas nos pés, que é como quem diz, de borregas, na gíria popular. À partida, era espectável que elas surgissem, considerando as longas caminhadas e os muitos pisos irregulares. Todavia, mercê dos conselhos profilácticos dos companheiros enfermeiros, foram raros os episódios ao longo dos mais de 500 quilómetros desta longa jornada. Mas aconteceu.
Foi por alturas da ponte Sampaio,
mais ou menos a meio da etapa que terminaria em Pontevedra que Inserme reportou
que sentia uma areia permanente na planta do pé. Como “no hay glória sin
dolor”, aguentou-se até ao fim da etapa sem mais queixinhas. Já instalados no albergue,
convocou o conselho científico dos profissionais de saúde que se debruçaram
atentamente sobre a situação e rapidamente se consensualizaram no diagnóstico: estávamos
perante uma infecção vesiculosa e pruriente da pele, também classificado como
eczema ou dermatite disidrótica, juntinho ao terceiro pododáctilo. Traduzido
para leigos: uma borrega. A terapia também não oferecia qualquer celeuma, a
mesma já aplicada e testada noutras situações similares com resultados satisfatórios.
Micaelo saca do kit, calça as
luvas lilases, expõe a agulha, a linha preta, o algodão, as compressas, o
frasquinho do líquido roxo, etc. Nesta altura, já o cenário contava com vários
mirones que apreciavam a cena entre o divertido e o curioso, tecendo
considerações e comentários em várias línguas, quiçá elaborando orçamentos. Impávido
e sereno, Micaelo enfiou a linha preta no buraco da agulha e, delicada e cuidadosamente,
fê-la passar de um lado ao outro da bolha. De seguida, com os dedos pressionou
levemente para expelir os fluidos e induzir a drenagem através da linha.
Embebeu uma noz de algodão no líquido roxo e pintou toda a área.
Preparava-se para finalizar com a
aplicação de uma compressa quando um peregrino a dar ares de alemão – viríamos
a saber que era Checo – fez questão de dar o seu contributo. Exibia um pedaço
de esponja dos sofás e, num inglês meio arrevezado foi manifestando a sua
desconfiança quanto à eficácia do método de tratamento utilizado pelo Micaelo, contrapondo
com a aplicação, simples, do pedaço de esponja sobre a bolha. A breve discussão
científica suscitada foi pacífica. Ficou registado o método alternativo, cuja
simplicidade poderia eventualmente vantajoso noutras circunstâncias. Com alguma
malícia, um dos peregrinos enfermeiro propôs logo que se lhe atribuísse um
nome: o método do estofador.
Inserme, o paciente, esse ficou
como novo, prontinho para chegar a Compostela sem areia alguma na planta do pé.
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