Reza qualquer manual que o
peregrino deve preparar e planear cuidadosamente a viagem: o percurso, as
etapas, as estadias nos albergues, o recheio da mochila, preparação dos pés,
tipos de calçado, etc. No nosso caso, a responsabilidade de planeamento no que
toca ao colectivo é habitual e competentemente assegurada pelo nosso Xoaquim
Branco.
Ele leva tão a sério a missão –
ou não fosse ele um garboso ex-militar – que chega ao pormenor de escolher
criteriosamente o vinho que se vai degustar ao jantar do primeiro dia, aquele
em que ainda é possível seguir esse tão são princípio “leva o teu e come de
todos”.
Foi o caso. Desta vez, a escolha
recaiu sobre uma Cartuxa, uma garrafinha contendo um néctar de conceituada
qualidade superior, para acompanhar as iguarias que haviam de saltar para a
mesa, finalizadas com um queijo de Castelo Branco mal cheiroso, mas de sabor e
textura ímpar (em resultado deste excesso de zelo, consta que há peregrinos
neste grupo que chegam a casa mais pesados do que quando partiram).
Envolta em folhas de jornal, foi
a menina cuidadosamente acondicionada na parte superior da mochila, atada como
se fosse um saco-cama.
Foi ainda no Entroncamento, essa
terra famosa por determinados fenómenos inusitados que a tragédia ocorreu. Na
linha nº 9 tinha dado entrada o comboio intercidades com destino a Porto Campanhã
com paragens em Pombal, Coimbra B, Aveiro, Ovar e Espinho. Na azáfama habitual
de procurar e ocupar lugar e arrumar bagagens, eis que foi necessário erguer a
mochila na horizontal para a acondicionar no porta volumes superior.
Foi nesse acto que, inexplicavelmente, a Cartuxa
deslizou dos jornais e veio estatelar-se a meio do corredor da carruagem nº 3,
fragmentando-se em mais de 120 lascas de vidro. O líquido desenhou longas
manchas corredor abaixo (por via da inércia do comboio já em andamento),
libertando um aroma característico que, supõe-se, não terá incomodado os
discretamente divertidos passageiros.
Responsável e solidariamente,
mobilizou-se todo o grupo para ir buscar toalhetes de papel e, à passagem pelo
apeadeiro de Fungalvaz já a carruagem nº 3 voltava a apresentar um aspecto
satisfatório. O aroma, esse manteve-se até Fátima.
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