Desenho: Fernando Micaelo |
Um estigma é uma espécie de cicatriz, uma espécie de carimbo, uma espécie de label (perdoe-se o anglicismo) que se associa a uma pessoa, com caracter duradoiro.
A sociedade é pródiga na categorização –
em regra acompanhada de uma certa marginalização social - de alcoólicos,
drogados, delinquentes, criminosos, ciganos, homossexuais, prostitutas, etc.
O estigma de I. não é nenhum destes.
Com base em alguns episódios –
estatisticamente irrelevantes, segundo o próprio – foi-lhe aplicado o carimbo
de “esquecido”. Consta que há vários albergues no Camiño com espólio
enriquecido por toalhas, calções, cuecas, meias, pijama, t-shirts, e até uma escova
de dentes que ele terá deixado ficar para – justifica ele já longe dos sítios –
“alguém que precise” (excepção para a escova de dentes).
O carimbo estigmatizante de “distraído” ou de "esquecido" ficou
quase irremediavelmente gravado a ferro em brasa nas suas nalgas com a cena ocorrida ali mesmo na Praza Cervantes em
Compostela, mais precisamente, no Manolo.
Eis, resumidamente, a história.
Depois de cumprido o caminho Primitivo
(desde Lugo) durante os 5 dias anteriores, o dia era para partir de regresso a
casa, logo após almoço na Casa Manolo. A manhã, como habitualmente, tinha sido
aproveitada para comprar uns regalos para a família e amigos. À conta da meia
dúzia de cañas e outros tantos pinchos que ele (e outros) embrulharam nos
intervalos das lojas, I. precisou de apressar a chegada ao Manolo a fim de
responder aos alertas que o seu organismo lhe enviava insistentemente há algum tempo.
Carregado com 3 sacos contendo 2 pacotes
de caprichos de Santiago, uma tarta
Santiago, 2 camisetas do Camiño, um
botafumeiro em miniatura, uma garrafa de licor de hierbas e uns brincos em azabache, foi-se direitinho aos
sanitários, enquanto o grupo se sentava no piso inferior. À saída, já o mundo
lhe aparecia com uma cor mais luminosa, reparou que – distraidamente, claro –
tinha utilizado as instalações reservadas às damas. Preocupado em evitar
qualquer engulho, acelerou o passo para escapar dali e juntar-se ao grupo que já escolhia o
prato de primera e de segundo.
Foi já depois de ter degustado os pimientos padrón e a meio da chuleta de ternera grelhada que I. se
levanta repentinamente e, com ar consternado, galga a escadaria 3 a 3 degraus,
deixando todo o grupo a especular sobre os motivos de tamanha aflição.
Reapareceria dois minutos depois, sorrindo, com 3 sacos de compras. Alguém –
uma señorita, presume-se – tinha tido
a gentileza de os recolher do cubículo sanitário feminino onde os encontrara e
entregado a Don Manolo.
Obrigado a contar toda a história, Paula,
atenta, não deixou passar o “pormenor”:
- E Don Manolo não disse nada sobre teres
utilizado a casa de banho das senhoras?
Aí, I. acabou por confessar que
introduzira uma personagem na história, ausente a mais de 500 quilómetros:
- Eu disse-lhe que foi a minha mulher que
se tinha esquecido dos sacos.
Ahahahahah... fantastica!
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