quarta-feira, 30 de setembro de 2020
COLÓQUIO
terça-feira, 22 de setembro de 2020
INSTANTÂNEOS - XXI
No nosso curriculum, já acumulamos várias centenas de milhas,
com alíneas a reportar trajectos no Caminho Português, no Português Interior, no
Camiño Torres, na Via Portugal Nascente, no Primitivo, no Inglês,
Muxia-Fisterra, Caminho da Costa … Em projecto estão muitos outros, todos quantos pudermos.
Este despretensioso blogue foi dando conta – e continuará a
dar – de episódios, de peripécias, de “instantâneos” protagonizados ou
testemunhados por estes peregrinos que partilham o gozo de palmilhar o Caminho.
O Caminho da Costa ofereceu-nos um “instantâneo” algo
peculiar.
Foi numa ruela estreita da extensa urbe que se estende entre
Vila do Conde e a Póvoa do Varzim, ali mesmo ao lado das Caxinas, terra de
pescadores, que um autóctone sénior nos fez parar para perguntar:
- Vós andais a fazer o Caminho?
Algo titubeantes, considerando o óbvio reflectido nos nossos
adereços, gaguejámos:
- Sim, andamos.
O cavalheiro olhou-nos ostensivamente de frente e completou a
pergunta:
- Vós andais a fazer o Caminho, ou o Caminho é que vos anda a
fazer?
Nos peregrinos arcaicos, a matriz motivacional remetia para
uma dimensão iniciática, mística, esotérica apontada ao finis terrae; após a apropriação cristã dos locais de culto
druidas, a pulsão para peregrinar é marcada quase exclusivamente pelo espírito
religioso; nos tempos recentes, a laicização do caminho deu entrada a todo o
tipo de procura, integrando modernices como a busca interior, o espírito de
aventura e até, simplesmente, o desporto.
Comparado com o antigo – e o antigo aqui vale, digamos, 30 a
40 anos -, o peregrino moderno tem a vida facilitada, como é fácil de
reconhecer: caminho marcado para não se perder, albergues e restaurantes com
fartura para descansar e se alimentar, roupas sofisticadas para aliviar o
sofrimento, equipamento tecnológico… enfim, só tentações para ele se
transformar num “turigrino”.
Àparte o propósito, para todos – antigos e modernos – o Caminho
significa sempre uma procura, uma demanda, uma senda. Inacabada, porque para muitos,
a pulsão para voltar, volta, mais cedo ou mais tarde.
Parece haver um elemento comum: nunca se regressa igual.
- Vós andais a fazer o Caminho, ou o Caminho é que vos anda a
fazer?
Emudecemos.
A carga filosófica subjacente a pergunta tão singela ficou a
pesar no sub-consciente.
O que é que o Caminho nos anda a fazer?