sexta-feira, 30 de agosto de 2019

CAMINHO INTERIOR PORTUGUÊS 1/3


CAMINHO INTERIOR PORTUGUÊS: Peso da Régua – Santiago

Plano plurianual: cumprir o Caminho Interior Português, a partir do Peso da Régua, por 3 jornadas, a primeira em 2019, segunda em 2020, terceira em 2021, que é ano JACOBEO.

2019 - 1/3: Régua Chaves

Etapa 1 -02/06/2019
Peso da Régua - Santa Marta de Penaguião
Etapa 2 -03/06/2019
Santa Marta de Penaguião – Vila Real
Etapa 3 -04/06/2019
Vila Real – Vila Pouca de Aguiar
Etapa 4 -05/06/2019
Vila Pouca de Aguiar - Vidago
Etapa 5 -06/06/2019
Vidago - Chaves

Caminhantes: 
Anselmo Cunha, Elsa Maia, Felizarda Lourenço, Fernando Micaelo, Gena Cabaço, Jaime Matos, Joaquim Branco, Manuela Gomes, Nulita Lourenço, Paula Marques, Raul Maia, São Pires.





Etapa 1 -02/06/2019
Peso da Régua - Santa Marta de Penaguião
Distância: 10 km
Média: 4.1 km/h

Viagem em comboio, entre Castelo Branco e o Peso da Régua, na primeira parte com o Tejo às 9, na terceira, com o Douro às 3. No meio, Entroncamento-Campanhã.
Ainda que as instruções tivessem sido dadas no sentido de cada um acautelar uma buchazita para repartir, o facto - nada surpreendente -, é que apareceu comida para todo o Regimento. O cenário foi montado em plena estação de Campanhã, revelando uns beirões exibicionistas de algumas das suas iguarias. Registe-se: chouriça, presunto, empadas de galinha e de porco, pastéis de carne, courgete e cebola frita, rissóis, ovos verdes, salgados de chouriço, bolos variados, fruta variada, vinho…
O troço entre a Régua e Santa Marta de Penaguião é curto – cerca de 10 km -, mas algo penoso nos primeiros 6, sempre em modo ascendente desde o Douro. O cansaço foi imediatamente esquecido quando demos com a Festa em honra de Santa Bárbara que acontecia em S. João de Lobrigos. A conjugação feliz da nossa simpatia natural e da esperada curiosidade dos autóctones, facilitaram a integração mais ou menos discreta na festa. Celebrámos pois a Santa Bárbara nos brindes com águapé e vinho do Porto – que aqui se designa de generoso – de qualidade superior. Obviamente, não podíamos deixar de deixar um modesto contributo à santa para que nos protegesse de raios e tempestades.
Até Santa Marta, não se cansaram nem os pés nem os olhos deliciados com uma paisagem soberba, marcada por imponentes montes e colinas geometricamente pontificadas por filas de videiras. Lá no fundo, bem lá em baixo, corria o Corgo.
Pernoita no Hotel Oásis - nome habitualmente perigoso, mas que não era definitivamente o caso - , boas condições e ainda por cima gerido pela afável D. Adelaide, que também era produtora de vinho e teve a amabilidade de nos oferecer uma garrafinha de branco bem fresca.


Etapa 2 -03/06/2019
Santa Marta de Penaguião – Vila Real
Distância: 21 km
Média: 3.6 km/h

Este troço pode ser descrito em 3 palavras: durinho, durinho, durinho.
Muito raramente em alcatrão, o caminho segue, numa boa parte, por entre vinhedos dispostos em socalcos, obriga a ir muito em plano bastante inclinado até à velha ponte sobre o rio, e, correspondentemente, em plano bastante inclinado desde a velha ponte sobre o rio até ao cume do monte seguinte, e assim (mais ou menos) sucessivamente.
O imponente Marão ria-se como que a relembrar: aqui mandam os que cá estão.

Em Vila Real, corremos a provar os covilhetes na pastelaria Gomes, mas também as cristas de galo e os pitos na Casa Lapão.


Etapa 3 -04/06/2019
Vila Real – Vila Pouca de Aguiar
Distância: 35 km
Média: 4.2 km/h

Logo após o tiro de partida, mal batidas as 6, demos com uma pastelaria já aberta. À cautela, aproveitámos para o mata-bicho. Mas havia um pormenor interessante que tem de ser revelado: na porta ao lado da pastelaria funcionava uma barbearia, igualmente aberta, às 06:15 da manhã.
O percurso é de dificuldade média até Vilarinho de Samardã, complica muito com a descida ao Corgo e a subida íngreme até à antiga estação/apeadeiro homónimo, onde começa uma longa tirada sobre a antiga linha do Corgo, agora transformada em ecopista. À semelhança de outras linhas desactivadas na província de Trás-os-Montes – Tua, Sabor -, a linha do Corgo oferecia uma paisagem de lavar os olhos, com vista para as magestosas e agrestes serranias entre o Alvão e a Padrela. O caminho fácil, sem desnível, foi aproveitado para por a conversa em dia que a dureza do dia anterior não tinha facilitado. O primeiro tema em debate foi, naturalmente, a desactivação da linha do Corgo, tendo-se concluído que, se algum dos caminhantes fosse governante, nunca tal teria sido autorizado, antes pelo contrário, transformar-se-ia aquele linha – e a do Tua e a do Sabor -  num pólo de turismo de excelência.
Nota curiosa para o enorme eucalipto plantado em Vilarinho de Samardã que exibia duas placas comemorativas. Uma indicava que já houve uma época em que plantar um eucalipto justificava placa: o padre Luís Castelo Branco terá, muito provavelmente num ambiente de festa com pompa, circunstância e missa campal, procedido à plantação da mirtácea. A outra placa indicava que Sua Excelência o Primeiro Ministro Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva visitou Vilarinho de Samardã em julho de 1994, e aquele eucalyptus foi considerado suficientemente e bastante digno para registar tal ocorrência.

Etapa 4 -05/06/2019
Vila Pouca de Aguiar – Vidago
Distância: 21 km
Média: 4.3 km/h

Vila Pouca de Aguiar é sede da Federação Portuguesa do Caminho de Santiago, criada no passado dia 17 de maio do corrente ano de 2019. As placas e sinaléctica novinhas ainda estavam frescas.

Nota muito importante: não foi possível estar presente mas a nossa Confraria consta do rol de associações aderentes.

O caminho prossegue na linha do Corgo, regressando ao seu ambiente “natural” em Sabrosa de Aguiar. Antes, porém, paragem obrigatória em Pedras Salgadas para passeio no parque e “degustação” da famosa água naturalmente gaseificada. A natureza foi simpática para esta região.

Chegada tranquila a Vidago com recolha do passaporte para a rota das fontes no posto de turismo. No hotel Vidago há acesso à “fonte nº 1” onde – na opinião credível dos enfermeiros – a água”sabe a sangue”.


Etapa 5 -06/06/2019
Vidago - Chaves

A primeira metade deste troço é ascendente, a segunda descendente. Caminhou-se em paz até à entrada de Chaves quando uma chuvazita obrigou a usar os impermeáveis. As notícias davam conta de um tal Miguel que traria perturbação atmosférica, mas o dito acabaria por se mostrar muito tímido.

Passeio turístico pela zona histórica da mui antiga cidade de Aquae Flaviae, com direito a degustação da água bicarbonatada nas Caldas de Chaves. Tempo ainda para a foto no marco do km zero da Nacional 2 e, claro, para recolha dos famosos pastéis de Chaves.






















 


2020: Caminho Português Interior 2/3: Chaves – Orense.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

INSTANTÂNEOS - XIX


Desenho: Fernando Micaelo

Um estigma é uma espécie de cicatriz, uma espécie de carimbo, uma espécie de label (perdoe-se o anglicismo) que se associa a uma pessoa, com caracter duradoiro.
A sociedade é pródiga na categorização – em regra acompanhada de uma certa marginalização social - de alcoólicos, drogados, delinquentes, criminosos, ciganos, homossexuais, prostitutas, etc.

O estigma de I. não é nenhum destes.

Com base em alguns episódios – estatisticamente irrelevantes, segundo o próprio – foi-lhe aplicado o carimbo de “esquecido”. Consta que há vários albergues no Camiño com espólio enriquecido por toalhas, calções, cuecas, meias, pijama, t-shirts, e até uma escova de dentes que ele terá deixado ficar para – justifica ele já longe dos sítios – “alguém que precise” (excepção para a escova de dentes).

O carimbo estigmatizante de “distraído” ou de "esquecido" ficou quase irremediavelmente gravado a ferro em brasa nas suas nalgas com a cena ocorrida ali mesmo na Praza Cervantes em Compostela, mais precisamente, no Manolo.

Eis, resumidamente, a história.

Depois de cumprido o caminho Primitivo (desde Lugo) durante os 5 dias anteriores, o dia era para partir de regresso a casa, logo após almoço na Casa Manolo. A manhã, como habitualmente, tinha sido aproveitada para comprar uns regalos para a família e amigos. À conta da meia dúzia de cañas e outros tantos pinchos que ele (e outros) embrulharam nos intervalos das lojas, I. precisou de apressar a chegada ao Manolo a fim de responder aos alertas que o seu organismo lhe enviava insistentemente há algum tempo.

Carregado com 3 sacos contendo 2 pacotes de caprichos de Santiago, uma tarta Santiago, 2 camisetas do Camiño, um botafumeiro em miniatura, uma garrafa de licor de hierbas e uns brincos em azabache, foi-se direitinho aos sanitários, enquanto o grupo se sentava no piso inferior. À saída, já o mundo lhe aparecia com uma cor mais luminosa, reparou que – distraidamente, claro – tinha utilizado as instalações reservadas às damas. Preocupado em evitar qualquer engulho, acelerou o passo para escapar dali e juntar-se ao grupo que já escolhia o prato de primera e de segundo.

Foi já depois de ter degustado os pimientos padrón e a meio da chuleta de ternera grelhada que I. se levanta repentinamente e, com ar consternado, galga a escadaria 3 a 3 degraus, deixando todo o grupo a especular sobre os motivos de tamanha aflição. Reapareceria dois minutos depois, sorrindo, com 3 sacos de compras. Alguém – uma señorita, presume-se – tinha tido a gentileza de os recolher do cubículo sanitário feminino onde os encontrara e entregado a Don Manolo.

Obrigado a contar toda a história, Paula, atenta, não deixou passar o “pormenor”:

- E Don Manolo não disse nada sobre teres utilizado a casa de banho das senhoras?

Aí, I. acabou por confessar que introduzira uma personagem na história, ausente a mais de 500 quilómetros:

- Eu disse-lhe que foi a minha mulher que se tinha esquecido dos sacos.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

INSTANTÂNEOS - XVIII




























 Desenho de Fernando Micaelo

Era Inverno.
E no Inverno da Galiza, a chuva costuma ser um elemento típico.

Saídos de Tui bem cedo com ideias de chegar ao albergue de Redondela a horas de não haver problemas com apanhar leito livre, foi sobretudo a partir de O Porriño que ela, a água, se manifestou particularmente melosa, inundando-nos constantemente a cara de beijos picados.

Depois de uma jornada que a chuva e o frio ajudaram a endurecer, o corpo pede repouso e recuperação, mais ainda perante a perspectiva de dose idêntica para o dia seguinte. Às 10 da noite (deles) a camarata estava a começar a sossegar, inclusivamente, já se conseguia escutar um peregrino a respirar cadenciado, suavemente sonoro para se ouvir mas ainda sem os requisitos mínimos para se classificar de ronco.

O burburinho habitual dos movimentos de adaptação ao colchão foi reduzindo até ao quase silêncio. Os peregrinos reviam caladinhamente a jornada do dia, anteviam a próxima. É esse ambiente morno de calmaria que Xoaquim precisou de quebrar para partilhar:

- Ó meninos, está-se mesmo bem neste saco-cama.

Ninguém contestou.

Transcorridos não mais que 20 segundos de mudez suspensa, ele entendeu que devia reforçar a sensação de conforto que sentia:

- Podeis mesmo acreditar: está-se mesmo quentinho aqui…

Perante a insistência, Daniel fez saber a sua posição:

- Pois! Eu acredito! mas escusas de continuar a publicitar porque não me convences a ir para aí.