CAMINHO
INTERIOR PORTUGUÊS 3/3
CAMINHO INTERIOR PORTUGUÊS: Peso da Régua
– Santiago
Depois da JORNADA 1/3 e da JORNADA 2/3, a mochila voltou para as costas disposta a completar o projecto iniciado em 2019.
2022 - 3/3: Ourense - Compostela
Etapa 1 -29/05/2022
Ourense –
Cea
26,6 km
Média: 4,3 km/h
Etapa 2 –
30/05/2022
Cea –
Santo Domingo
20,8 km
Média: 4 km/h
Etapa 3 -31/05/2022
Santo
Domingo – Silleda
27,6 km
Média: 4,3 km/h
Etapa 4 -01/06/2022
Silleda –
Ponte Ulla
22,8 km
Média: 4,3 km/h
Etapa 5 -02/06/2022
Ponte Ulla
- Compostela
24 km
Média: 4,2 km/h
Aníbal Azevedo, Anselmo
Cunha, Elsa Maia, Felizarda Lourenço, Fernando Micaelo, Gena Cabaço, Jaime
Matos, Joaquim Branco, Manuela Gomes, Nulita Lourenço, Paula Marques, Raul
Maia, Rita Crisóstomo, São Pires, Teresa Silva.
Em Ourense pontifica aquela magnífica Ponte Maior sobre o rio Minho. Ourense é também terra de termas. A água brota a uns escaldantes 30 graus (ou mais) e, nas que são públicas, algum povo – corajoso e foito – mantém-se imerso em pequenas piscinas na esperança de assim encontrar cura para as maleitas da artrose. Para a história desta jornada fica registado, também, o pormenor quase insignificante dos 3 peregrinos do grupo, que fizeram questão de ir “aquecer” para o Camiño durante cerca de 5 km só para experimentarem a dita água termal escaldante nas termas da “Chavasqueira”, indiferentes à indicação de um termómetro exterior onde as luzinhas desenhavam 43 graus célsius, por volta das 4 da tarde. O lugar não estava muito bem arrumado e inclusivamente havia espalhados alguns gradeamentos amarelos daqueles que as autoridades utilizam para vedar o acesso a determinados espaços. Parece que era o caso, segundo informaram 2 galegos encostados nas paredes do tanque, mas o povo, continuaram eles, é soberano e porque ordena mais do que tudo, não ligou a tal ditatorial restrição e instalou-se a bel-prazer. “Aqui nada funciona”, esclareceram ainda os ourensenses galegos, “estes políticos san unos hijos de puta”. O discurso continuou com opiniões no mesmo registo, aliviando-nos um pouco daquela nossa sensação de que só nosso país é que os políticos são isto e aquilo.
Estava
um pouco mais fresco na manhã seguinte quando atravessámos a Ponte Maior de
Ourense para começar os primeiros 8 quilómetros em modo de subida, inevitável
para transpormos a orografia da bacia hidrográfica do Minho. Já a descer, numa
ponte sobre uma pequena ribeira, fresca e sombreada onde se fez paragem técnica
para reposição de líquidos e arrefecimento corporal, fomos apanhados por uma
americana de Chicago, região plana - salientou - sem subidas nem descidas, nada
parecido com o que ela acabara de fazer. Caminhava sozinha, com as suas
próprias motivações.
O albergue em Cea estava mais preenchido do que o previsto, considerando que apenas nos cruzámos com a americana. Afinal, já lá estavam instalados alguns espanhóis, 2 israelitas, 2 alemães, 3 italianos e outros a quem não houve oportunidade de perguntar de onde vinham. Sem surpresa, os mais comunicativos foram os italianos, bicigrinos que estavam a fazer a Via de la Plata, desde Sevilha.
A nota mais saliente da noite, no entanto, vai para o concerto roncal oferecido por 4 prodigiosos instrumentistas. As partituras tocadas foram várias, em diferentes tons e volumes, ao longo de muitos quartos de hora, para deleite dos apreciadores que se mantiveram despertos e atentos.
A
etapa entre Cea e Santo Domingo foi tranquila, com pequenos troços de
dificuldade alta média, temperatura amena, sem chuva, a contrastar com o dia
seguinte, destino Silleda, em que as capas e ponchos se
justificaram durante boa parte do trajecto. Ainda assim, este troço é
extremamente agradável, percorrendo extensos bosques onde o tapete de fetos
fazia conjunto e harmonia com os frondosos castanheiros e carvalhos, paraíso
para os numerosos melros de bico amarelo que ali se sentirão seguramente muito
felizes.
É
preciso realçar a passagem pela Ponte Taboada sobre o rio Deza, local onde os
peregrinos têm oportunidade de pisar as mesmas pedras que outros pisaram há
mais de 1000 anos atrás.
À saída da Silleda caia água que Deus a mandava e, teimosinha, acompanhou-nos durante duas horas. Vá lá que o cenário se mantinha de conto de fadas, por entre bosques autóctones abundante em verdes de todas as matizes. A meio, eis que surgiu abrigo no albergue Casa das Leiras, gerido pelo italiano Andrea que ficou visivelmente feliz com a paragem para breve secagem e chupitos daqueles 15 encharcadinhos. Muito palrador e simpático, mereceu o sketch rápido que o nosso Micaelo lhe esboçou à pressa (passe a redundância), mas a retratar os traços principais da ponte Taboada.
A descida final para a Ponte Ulla é bastante pronunciada, verdadeiro teste para os joelhos mais gastos. À chegada, interacção com 3 heróis, um italiano, cinquentão, rodas baixas e careca, um canadiano, trinta e poucos, e um austríaco, sessentas e tais, bigodinho tirolês. Os dois primeiros haviam partido de Sevilha, o tirolês de Tarifa, ou seja, este senhor contabilizava mais de 1200 quilómetros naqueles pés. O canadiano tinha para contar que apanhou o covid em Salamanca que o obrigou a recolher-se num hotel durante uma inteira semana, impedindo-o de ir tentar reconhecer la rana de la suerte, tão pouco pôde combater o calor com uma caña na magnífica plaza mayor de Salamanca.
No albergue O Cruceiro conseguimos, finalmente, ter acesso a um honesto caldo galego. Que saudades de um bom caldo galego! aquela água turva ligeiramente salgada onde cozeu um naco de presunto rançoso, mais uns ricos gravanzos e as famosas couves galegas, transportando-nos para a sopa da nossa avó em dia de matança. Sensibilizada com os nossos elogios, a patroa fez questão de ir à cozinha e tornar a encher a terrina para que ninguém ficasse com vontade.
No final, já liquidada a conta, a funcionária Sónia, jovem galega,
rendida à nossa simpatia – e charme de alguns – apresentou-se com uma garrafinha
de licor de hierbas e outra de licor de café e obrigou os pobres peregrinos à degustação de 2 generosas
doses de cada. Justificou: os peregrinos mais simpáticos – e charmosos – que lhe
aparecem ali são os portugueses. Os piorzinhos e mais difíceis de aturar: os
franceses e… os espanhóis. Obviamente, estes nunca têm direito a oferta de
licor de hierbas ou de café.
O último troço correu tranquilo, sem chuva, já em clima de expectativa da chegada. Referência especial para o casal de belgas, 76 e 75 anos, que caminhavam lentos mas despreocupados puxando cada um seu carrinho com rodas, esquema que já tinham utilizado para fazer o caminho português desde o Porto. Eles também devem ter lido a placa em Susana que nos recordava um dos elementos cruciais do espírito do Camiño:
“No corras! Que donde tines que llegar es a ti mismo” (retirado de um poema de Juan Jimenez)
Quis ele saber num espanhol arrevezado: “Sois portugueses? Aqui solo para nosotros, los portugueses son más amistosos que los espanholes”. Se o tivéssemos ali à mão, era certinho que partilharíamos um chupito de hierbas.
A entrada no casco histórico de Compostela foi feita pela Rua do Franco, a mesma do caminho português. A multidão aclamou-nos até ao Obradoiro.
As emoções acumuladas encontram sempre ali, no ponto zero frente ao Pórtico da Glória, o momento adequado para se manifestarem. É ali, e naquele momento, que a carga emocional do Camiño se abate sobre nós e, não raro, é descarregada em cloreto de sódio na forma de uma lágrima.
O que nós gostamos destas emoções!
______ " _____

Maravilha! Espectáculo! Inté dá vontade d'ir! Bem hajas pela partilha.
ResponderEliminar