sábado, 11 de julho de 2015

Diário de Caminhada - Caminhos do fim da terra - Etapa III

CAMINHOS DO FIM DA TERRA

Caminhantes:
Anselmo, Benvinda Monteiro, Conceição Pires, Elsa Maia, Fernando Micaelo, Jaime Matos, João Valente, Joaquim Branco, José Manuel Machado, Paula Marques, Raul Maia.



ETAPA III: Olveiroa - Muxía
09/06/2015






Eram 7 da manhã, já rompido o dia quando abalámos de Olveiroa, convenientemente aconchegados com desayuno de 2 ovos estrelados com bacon. A paisagem é marcada pela profusão de torres eólicas que se multiplicam em todas as cumeadas, aproveitando a força que a aproximação do mar fornece ao vento. Não é propriamente o que se verifica hoje, início de Junho, sol a brilhar em céu azul, temperatura agradável, um quadro de fazer inveja aos habitantes das terras lusitanas, acima e abaixo dos montes hermínios onde parece que troveja. Os rios e ribeiras correm ainda vigorosos mostrando águas límpidas, frias de truta. Logo a seguir ao albergue de Longosa, em Hospital, a bifurcação para Muxía e Fisterra. Seguindo o plano delineado, prosseguimos para a primeira, em direcção a Dumbría.






Paragem técnica em Dumbría junto à igreja de Santa Eulália. A simpática jovem galega que nos franqueou a entrada convenceu-nos da veracidade da fantástica história da trasladação desta igreja para a sua actual jazida, pedra por pedra, no sec XVII, desde algures nas proximidades, sem saber precisar de onde. Para a época, deve ter sido uma operação arqueológica de engenhosa e notável envergadura.

Deduzimos que não estaríamos longe do destino quando o horizonte se nos abriu a mostrar a ría de Camariñas. Bordejando a ria e algumas praias apontámos ao monte Corpiño no sopé do qual se estendia Muxía que nos saudou com uma forte ventania.



Inevitável, mesmo aconselhável, a subida do Monte Corpiño, onde há vários motivos de reportagem. Desde logo, o horizonte onde pontificam, a ria de Camariñas e os contornos daquela a que chamam a Costa da Morte. Depois, a Igreja da Virgem da Barca, cujo interior – riquíssimo - foi quase todo destruído pelo incêndio que terá sido provocado por um raio durante uma tormenta, no dia Natal de 2013. A entrada está vedada ao público, sendo apenas permitido espreitar para constatar que prosseguem as obras de restauro. Impõe-se igualmente, pela sua dimensão, a “Ferida” um enorme bloco de pedra rachado ao meio em forma de greta e que pretende homenagear todos os voluntários que a estas bandas acudiram para minimizar os estragos produzidos pela maré negra que se escapou do petroleiro Prestige afundado junto a esta Costa da Morte em 2002.







Incontornáveis são, claro, as pedras, a dos cadris e a d’abalar. Afiançam-nos todos os escritos que a primeira será a vela e a segunda a barca na qual a virgem navegou para vir incentivar o apóstolo na sua missão evangelizadora. Garantem ainda os sábios escritos que a pedra dos cadris possui fantásticas propriedades como a de curar as doenças dos rins a quem por debaixo dela passar por nove vezes. A pedra d’abalar, por seu turno, mexe-se quando alguém com a alma e o coração puros se coloca em cima dela, mantém-se queda se se tratar de um pecador. À cautela, alguns destes peregrinos não deixaram de experimentar. Surpreendentemente, a pedra não se mexeu com nenhum deles.

Ceia no El Cordobés, gerido por Sergio, cujo avô, adiantou logo, era transmontano. Sugeriu-nos a degustação de gallo, um peixe mais ou menos comum por aquelas bandas. Razoável. Numa bancada, exibia uma colecção de concertinas, prontinhas a tocar por quem tivesse arte e engenho para tal. Ninguém se atreveu. Inserme ainda perguntou por um realejo mas, desafortunadamente, não havia nas redondezas, pelo que foi o próprio Sérgio que agarrou numa das suas concertinas de teclas e nos levou a acompanhar o "menina estás à janela". Na mesa ao lado, aplaudia o valente holandês que degustava deliciado uma travessa de navalheiras com a mulher que naquele dia se lhe tinha juntado, directamente de Amsterdam. Exibiu, orgulhoso, que tinha feito o caminho francês.




Num contraste assinalável com o dia, a noite de Muxía pediu casaquinho. Já no albergue, e porque ainda não era tarde, Micaelo abancou na sala comum a dar uns retoques nos seus sketches. Os ditos, mais a parafernália de lápis, pincéis, guaches, chamaram a atenção de 2 jovens lusitanas curiosas que com bons modos lhe pediram autorização para mirar os seus trabalhos. Ajudado por Inserme e Xoaquim, foi Micaelo alcandorado aos píncaros da genialidade pelas jovens, deslumbradas com a qualidade das obras. Modesto, ia o nosso Mike refreando os elogios, o que, desconfiamos, alimentou ainda mais a admiração das tugas.

Durante a noite, o suspeito do costume decidiu impor-se e exibir o seu estatuto de roncador mor do reino. Faltariam ainda 2 horas para o romper da bela aurora quando o peregrino francês que se acomodava na cama inferior do beliche fez contas de cabeça e terá concluído que, assim como assim, o melhor era sair dali e começar a andar. Agarrou nas suas traquitanas e trocou o concerto roncado pela sonata do vento soprante, e foi andando.




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