terça-feira, 3 de outubro de 2023

CAMINHO FRANCÊS (1) - DUAS OU TRÊS IRRELEVANTES NOTAS DE REPORTAGEM

 



Projecto (em curso): Caminho Francês

Início: St Jean Pied de Port

Término: Burgos

Etapas: 12

Partida: 03 de setembro de 2023

Chegada: 14 de setembro de 2023

Distância total: 282 km

 

Peregrinos / Caminheiros:

Aníbal Azevedo, Anselmo Cunha, Conceição Pires, Elsa Maia, Fernando Micaelo, Gena Cabaço, Jaime Matos, Joaquim Branco, Manuela Gomes, Nulita Lourenço, Paula Marques, Raul Maia, Teresa Silva.


1. Emoções de primero

2. Duas ou três irrelevantes notas de reportagem

3. Duas ou três relevantes notas sobre cultura e história

4. Notas gerais sobre o Caminho Francês (fase1)




No primeiro de setembro, madrugada, partida, largada, fugida até Burgos onde ficaram as viaturas à nossa espera; comboio até Donostia / San Sebastián; autocarro até Bayonne; comboio até St Jean.

A primeira nota de reportagem ocorre logo na gare de Burgos: o comboio das 10:37 deu entrada na linha 1 duas horas depois da hora a que devia. O atraso provocou 2 contratempos: obrigou à compra de novo título de transporte na ligação entre Donóstia e Bayonne, e, mais grave, obrigou também à troca de almocinho tranquilo por uma frugalidade de peregrino pelintra à base de porcarias ensacadas.

O contratempo do tempo havia de ser compensado com o tempo. Atmosférico. Isto porque, se à chegada a St Jean choveu todo o santo dia, depois, em todos os 12 dias seguintes, aqueles em que ela, a aguinha, quando é muita e forte, chateia qualquer peregrino que se preze, só nos havia de fazer umas leves coceguinhas durante uns minutitos algures no terceiro ou quarto dia.

Ainda na gare de Burgos, segunda nota, as regras e procedimentos de segurança a que os passageiros são sujeitos no acesso à plataforma são muito idênticas às de qualquer aeroporto.  As pessoas são encaminhadas para o pórtico detector de metais, as mochilas têm todas de passar na maquineta de raio X. Se não tivéssemos sido avisados a tempo, teríamos sido irremediavelmente espoliados das nossas navalhinhas de peregrino cujas folhas medissem mais de seis centímetros. Foi o que aconteceu à naifeta do Aníbal esquecida no fundo de um dos bolsos da sua mochila, remetida para reciclagem. De resto, nas mochilas não foi detectado nenhum objecto perigoso para a segurança de Espanha.

A terceira nota de reportagem vai para a viagem de comboio entre Bayonne e St Jean. Um golpe de sorte empurrou-nos para a primeira carruagem, a mesma onde do lado de lá da divisória em acrílico transparente se sentava o maquinista, tendo-nos sido oferecida a mesma vista de frente do percurso da linha. Nunca antes, ao longo da sua longa vida de passageiros de comboio, nenhum destes tugas tal tinha experienciado.

Nota quarta para a verdadeira indústria em que se está a tornar o Caminho de Santiago, constituindo o caminho Francês o seu expoente. Dizem as estatísticas que, principalmente nos meses de maio, junho, setembro e outubro, St Jean Pied de Port é uma autêntica Babel. E isso era bem visível nesse dia 2 de setembro de 2023, com as suas ruas  pejadas por uma verdadeira multidão, proveniente da mais variadas latitudes.

Ah! se tivéssemos tido vagar, teríamos promovido ali uma antecipação da Assembleia Geral da ONU, e resolvido facilmente a questão climática e a guerra na Ucrânia. E, nada custa, haveriamos de ter aprovado uma moção para a redistribuição da riqueza no mundo e acabávamos com a fome.

Quinta e última nota para a gastronomia. O padrão da refeição em Espanha é ligeiramente diferente do que vinga em Portugal. Nuestros hermanos primam pela variedade nas entradas que lá chamam de primero: enquanto nós nos ficamos por uma malguinha de azeitonas e pela sopinha, eles oferecem meia dúzia de opções. Claro que há sempre os esquisitos que afiançam que jamais trocariam uma boa sopinha de nabiça por uma tortilla de patata ou por meia dúzia de calamares.

Bem, o gaspacho não conta para estas contas. E, obviamente, o caldo gallego também não. E entende-se bem porquê: o gaspacho é irmão do nosso, e o caldo é primo da sopa da pedra.

Mas, por lá, às vezes, sentimos um certo complexo de superioridade no que toca à gastronomia em geral, ao menu Peregrino em particular, muito por causa de os pratos serem quase todos servidos com acompanhamento de batatas fritas. Foi o caso do jantar no Restaurante Posada, em Roncesvalles (na companhia das italianas Mara e Moina e da americana Hope de Las Vegas). De primero, foi-nos oferecido um creme de cor verde e de sabor indefinido, mais um barranhão de massa tipo macarrão cujo tempero faria chumbar um aluno do primeiro ano de culinária de qualquer escola profissional e imediatamente aconselhado a dedicar-se à costura. De segundo, truta assada, com… batatas fritas. Dedução lógica: devem passar por ali muitos ingleses, chatos e exigentes, avessos a um bom arroz e a uns saudáveis legumes. Mas nós, comemos tudinho, sem reclamar.


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