Projecto (em curso): Caminho Francês, Fase 3.
Início: León
Término: O Cebreiro
Etapas: 7
Partida: 26 de abril de 2025
Chegada: 03 de maio de 2025
Distância total: 160 km
Acumulado Caminho Francês: 640 km
Aníbal Azevedo, Anselmo Cunha, Conceição Pires, Elsa Maia, Fernando Micaelo, Gena Cabaço, Jaime Matos, Joaquim Branco, Manuela Gomes, Nulita Lourenço, Paula Marques, Raul Maia, Teresa Silva.
Notas de reportagem – II
A vingança do pintor
Já aqui se fez referência ao extraordinário património religioso, edificado e iconográfico, existente em Espanha. Nos últimos 9 séculos que levamos de país, a igreja portuguesa nunca foi capaz de construir monumentos em número e tamanho, como a sua congénere espanhola. No seu território, o peregrino está permanentemente a tropeçar, mesmo em pueblos pequenos, com igrejas, catedrais, palácios, arquitetonicamente imponentes e recheados com muitos e valiosos elementos artísticos e iconográficos.
A igreja de Nuestra
Señora de Assumptión em Fuentesnuevas, nas imediações de Ponferrada seria mais
uma entre muitas que o Caminho oferece. Todavia, quando nos é dado admirar a
capela lateral, algo desperta a atenção e a curiosidade do peregrino.
Pintada no teto, apresenta a cena da última ceia. Nada a reportar numa cena relativamente banal e familiar, não fossem dois pormenores que não deixam de surpreender o peregrino.
O primeiro
está na figura sentada imediatamente à direita do Cristo. Conhecemos a teoria e
a controvérsia que a mesma suscitou sobre a hipótese de Leonardo da Vinci ter
retratado, na sua pintura, uma figura com traços efeminados, precisamente à
direita do Cristo e que alguns identificam como Maria Madalena. Ali, o pintor
local, presumivelmente adepto dessa teoria, exagerou um pouco nos ditos traços
femininos da personagem sentada na dita posição. Um pintor, digamos, maroto.
O segundo pormenor surpreendente está na última figura mais à direita do Cristo, na qual é bem visível uma espécie de aro à volta do olho direito. Um apóstolo com óculos na última ceia é claramente algo desenquadrado historicamente.
As informações recolhidas apontam para a hipótese de que a personagem ali retratada não será nenhum apóstolo comensal mas sim o cura que encomendou o trabalho.
Aquela capela terá sido palco de uma discussão acesa entre o senhor padre cura e o artista pintor que não terá acabado bem. De um lado, um prelado com mau feitio, conservador e sovina, do outro um artista progressista e senhor do seu nariz e do seu trabalho. Incomodado com os traços femininos do apóstolo à direita do Cristo, o cura terá exigido ao pintor que os alterasse para algo mais masculino. Artista que é artista não aceita este tipo de ingerência no seu trabalho. Perante a recusa, o cura terá sentenciado que não haveria lugar ao pagamento.
Em retaliação, diz-se, o pintor substituiu um apóstolo pelo cura, colocando-lhe uns óculos para, presume-se, ele apreciar melhor a pintura (e a figura de Maria Madalena).