terça-feira, 8 de abril de 2014

Diário de Caminhada - ETAPA XVI: Braga - Goães

Diário de Caminhada - ETAPA XVI:  Braga - Goães

“Da nossa casa a Santiago de Compostela”,

Etapa XVI: Braga - Goães
25 de Janeiro de 2014, sábado
Caminhantes: Anselmo, Benvinda Monteiro, Carlos Matos, Elsa Maia, Fernando Gaspar, Fernando Micaelo, Guida Mendes, Jaime Matos, Joaquim Branco, Paula Marques, Piedade, Raul Maia, São Branco, Zé Manel Machado.

Sinopse:

Inicio em Braga (Sé): 07:28 horas
Chegada a Goães (albergue): 13:38 horas
Distância percorrida: 19,5 km
Tempo total de caminhada: 06:10 horas
Tempo parado: 01:31 horas
Velocidade média: 4,5 Km/h

Povoados e locais de referência ao longo do percurso: Braga, Praceta de Santiago, Vila de Prado; Moure, Torre de Penegate, Portela das Cabras, Goães.

Acumulado:
Caminho: 384,7 Km
Bacias hidrográficas: Tejo, Zêzere, Mondego, Távora, Varosa, Douro, Tâmega, Vizela/Ave, Cávado, Neiva.
Distritos: Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real, Porto, Braga.
Concelhos: Castelo Branco, Fundão, Covilhã, Belmonte, Manteigas, Guarda, Celorico da Beira, Trancoso, Aguiar da Beira, Sernancelhe, Moimenta da Beira, Tarouca, Lamego, Peso da Régua, Mesão Frio, Baião, Amarante, Felgueiras, Fafe, Guimarães, Braga, Vila Verde.

Fonte: GPS de Joaquim Branco
(ver track aqui)

A nova estratégia de se alugar mini autocarro para o transporte, testada nas etapas anteriores, foi avaliada muito favoravelmente, pelo que se manteve: viagem desde Castelo Branco até Braga em 4 horas (incluindo paragens técnicas), sem percalços. Foto da praxe junto à Sé de Braga e tentativa frustrada de obter carimbo. Faltavam 5 minutos para bater a meia das 7, surgiu de dentro do milenar monumento um funcionário carregado de 2 corgalhos de chaves com as quais ia abrindo portas e portões. Instado ao registo do correspondente carimbo na nossa preciosa caderneta, recusou liminarmente, a raiar os maus modos, nada consentâneos com as suas funções, com a desculpa de que tinha de preparar o altar para a missa das oito menos um quarto. Um dia, há-de prestar contas a Santiago do seu mau humor para com estes peregrinos madrugadores e o santo certamente lhe atribuirá uma avaliação menos boa, acompanhada de várias recomendações que incluem a de que os altares para as missas das oito menos um quarto devem ficar minimamente preparados de véspera. Foi necessário recorrer ao licor de maçã-canela do Micaelo para recuperar o ânimo.







Primeiros passos a partir da Sé de Braga, às 07:30, seguindo as setas amarelas que começaram a surgir acompanhadas pelas placas de madeira indicativas da Via XIX, velhíssima estrada romana que ligava Braga a Astorga, através da Galiza. Ainda dentro da cidade dos arcebispos, saudação a Santiago na sua praceta, prosseguindo-se em malha urbana em direcção ao rio Cávado, nesta altura a exibir-se caudaloso. A travessia faz-se através duma imponente ponte filipina que terá sido construída sobre uma outra medieval e esta sobre a primitiva romana. Do outro lado, num pequeno jardim de Vila do Prado, e porque já eram horas, pequeno almoço.







Cardápio (igual para todas as refeições): ovos verdes, ovos com farinheira, pastéis de carne, trança de carne, rissóis de peixe, pastéis de bacalhau, febras palitadas e picles, paté de fiambre de perú, frango frito, panceta (toucinho espanhol), vigaristas, salada de polvo, lombo de porco assado (simples, com molho doce e fingido), bucho de morcela, chouriço, farinheira frita, feijões vermelhos salteados com cebola, empadas de galinha, bolacha do deserto, pão de várias qualidades e consistências, vinhos de várias cores, travos e proveniências, queijos de vários sabores e texturas, azeitonas de vária tonalidades e acidezes, bolos de vários sabores e paladares, fruta da época e de fora da época.

O caminho prossegue subjugado ao característico povoamento disperso do Minho por entre ruas e casas. Em Moure, paragem para verde (branco e tinto) em malguinha branca. Nesta povoação, nota especial para o enorme eucalipto seco que se mantém de pé, e que precisou de 10 peregrinos para ser abraçado.





O caminho vai agora em modo predominante de subida através de Portela das Cabras até à cota máxima que separa as bacias do Cávado e do Neiva, com passagem pela torre de Penegate, construída em 1132 sob o magestoso auspício do nosso rei Lavrador e marido da Santa – são rosas, senhor – Isabel.

Daí, foi um saltinho até Goães onde a escola primária foi transformada em albergue. O sítio é agradável, simpática e prestável a senhora minhota que nos entregou as chaves, nos mostrou como utilizar a cozinha e nos facilitou o acesso à lenha para as salamandras. Mas, depois, começaram as peripécias. Contam-se, de um rasgo.

Primeiro, o cilindro para águas quentes só permitia um duche a cada quarto de hora e apenas durante 2 minutos; depois, o esquentador negava-se a aquecer a água para a loiça: chamado o picheleiro, rapaz novo que não largou o sorriso enquanto tentava o concerto do dispositivo, muito à conta dos temas e abordagens que se desenvolviam nas suas costas, ficámos, constatámos já depois da sua abalada, na mesma. O problema maior, todavia, residia numa das salamandras que insistia em devolver o fumo à sala em vez de o expelir para o exterior. Após vários testes concluiu-se que o tubo de evacuação – com cerca de 4 metros de altura, dois dos quais acima do telhado, estava obstruído. O sentido de desenrascanço e improvisação de que se arvoram os portugueses foi então posto à prova. A primeira solução passou por um pau introduzido pelo tubo acima na tentativa de extrair o material bloqueador; evoluiu-se para o pau de uma vassoura; conseguiu-se apenas perceber que se tratava de palhiço seco, supostamente usado pelos passarinhos na construção dos ninhos; um peregrino engenheiro sugeriu que se utilizasse uma mangueira de rega, primeiro, simples, mas depois sucessivamente sofisticada com acrescentos do primitivo pau enfiado numa das pontas, substituído pela vassoura e ainda por um arame que se pediu ao vizinho da frente. As engenhocas resultaram em meio saco de plástico de restos de ninhos. Malogradamente, o tubo continuava a não facilitar a evacuação do fumo. Reunido o conselho científico dos peregrinos engenheiros, foi conseguido consenso quanto à solução final: proceder à extração do lixo a partir de cima. Foi o vizinho novamente chamado a cooperar com uma escada de alumínio. Munido de 5 metros de arame das vinhas e de uma turquesa, Xquim Branco avançou, qual soldado mais corajoso do pelotão. Vários ensaios após, de que resultou um saco de plástico cheio, o nosso operacional acabou por decidir retirar a campânula que encimava o tubo e, assim sim, o comprido cilindro expeliu mais um saco de palhiço. Foram duas horas de engenharias, mas o facto é que a salamandra ficou a deitar um calor que muito regalou e confortou os peregrinos durante a noite.


Como tudo na vida, esta bem sucedida operação teve um custo: dois feridos, um ligeiro e um grave: o nosso Xquim Branco que se feriu num dedo, e o nosso Carlos Matos que, no exercício das suas funções de repórter e sketcher, foi protagonista de uma aparatosa escorregadela que o fez embater estrondosamente com o tronco no soalho da sala, da qual, viria a radiografia a revelar 2 dias depois, resultou em 3 costelas machucadas. Não pode deixar de se enaltecer o seu espírito de peregrino que se impôs a tal minudência, tendo prosseguido bravamente para a etapa do dia seguinte entre Goães e Ponte de Lima. Naturalmente, também ajudaram os conselhos e pílulas prontamente disponibilizados pelos nossos companheiros peregrinos enfermeiros.
Amanhã, receber-nos-á a mais antiga vila portuguesa.

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